A espertocracia
educacional
Machado de Assis, mulato,
gago e epilético, um dos
mais ilustrados e respeitados
cultores do idioma pátrio,
conseguiu de modo
exemplar unir o erudito ao
popular. Em seus irretocáveis
escritos, ensinava que a
democracia deixa de ser
uma coisa sagrada quando
se transforma em espertocracia
o governo de todos
os feitios e de todas as
formas. Já de Rui Barbosa,
pequena estatura, advogado,
diplomata, político e jornalista,
cujo nome está inscrito
nos anais da história
do direito internacional, pode-
se extrair uma singela lio
de seu celebrado patrimnio
intelectual: A musa
da gramática no conhece
entranhas.
Pois bem, esses dois curtos
arremates dos renomados
mestres de nossa língua
escrita e falada vm a calhar
neste momento em que a
perplexidade assoma ante a
barbaridade patrocinada pelo
Ministério da Educao
(MEC), de uma nova gramática,
cuja autora assim
ensina: Os livro ilustrado
mais interessante esto emprestado;
como frase adequada
linguagem oral, está
correta ao ser usada em
certos contextos.
Analisemos as questes
suscitadas pela obra Por
uma Vida Melhor, a comear
pela indagao filosófica
que se pina do título da série.
Terá uma vida melhor o
estudante que se obriga a
aprender numa gramática
alternativa, onde a norma
popular se imbrica norma
culta? Ou, para usar a expresso
da professora Heloísa
Ramos, autora do livro,
sofrem os alunos que escrevem
errado preconceito linguístico?
Primeiro, é oportuno lembrar
que, mesmo concordando
que a língua é umorganismo
vivo, evolutivo,
no se pode confundir uma
coisa com a outra, a forma
oral e a norma escrita. Cada
compartimento deve ser
posto em seu devido lugar.
Quem troca uma pela outra
ou as junta na mesma gaveta
gramatical o faz por alguma
inteno, algo que ultrapassa
as fronteiras linguísticas.
Como se pode aduzir,
embute-se na questo um
viés ideológico, coisa que se
vem desenvolvendo no país
na esteira de um populismo
embalado com o celofane
da demagogia.
Ora, os desprotegidos, os
semianalfabetos, os analfabetos
funcionais, enfim, as
massas ignaras no sero
elevadas aos andares mais
altos da pirmide se lhes for
dada apenas a escada do
pseudonivelamento das regras
do idioma. Esta é, seguramente,
um meio de ascenso
social. Mas seus usuários
precisam entender que
a chave do elevador está
guardada nos cofres normativos.
Por que tanto esforo
para defender uma feio
que valida erros grosseiros?
No há outra resposta: ideologizao.
Imaginam o uso da língua
como arma revolucionária.
O sentimento que inspira
os cultores da ignorncia
só pode ser o de que, para
melhorar a autoestima e ter
uma vida melhor, a populao
menos alfabetizada pode
escrever como fala. Como
se a gramática normativa
devesse ser arquivada para
dar lugar gramática descritiva.
O grande Rui bem que
profetizara: A degenerao
de um povo, de uma nao
ou raa comea pelo desvirtuamento
da própria língua
Gaudncio Torquato, jornalista, é
professor titular da USP