por VAlicia » Qui Set 29, 2011 11:55
Nessa mesma linha de consideraes, vale acrescentar uma nova particularidade referida ao caso brasileiro, qual seja, a coincidncia entre momentos marcantes de reformas institucionais, com destaque para a reforma do Estado, e a implantao de regimes autoritários (Diniz, 2000a, cap.2). Com efeito, historicamente, as duas experincias relevantes de reforma do aparelho de Estado no Brasil, antes da instaurao da chamada Nova República, em 1985, foram efetivadas sob regimes fortemente autoritários. Esse foi o caso da primeira dessas reformas, realizada pelo presidente Getúlio Vargas (1930-1945), quando assumiu o poder após a vitória da Revoluo de 1930, frente de uma ampla coalizo comprometida com um projeto modernizante, que culminou com a ditadura estadonovista. A segunda experincia relevante foi levada a efeito pelo primeiro governo do ciclo militar (1964-1985), sendo introduzida pelo Decreto-Lei no 200, de 25/02/1967. Em contraste, entre 1945 e 1964, os governos democráticos que se sucederam no poder no realizaram nenhum experimento de vulto no tocante reforma do Estado, preservando-se, em suas grandes linhas, o padro anterior.
Nos dois casos considerados, além do contexto autoritário, o ponto convergente do esforo reformador está relacionado dimenso especificamente administrativa da reforma do Estado, que envolveu questes relativas ao grau de centralizao da máquina burocrática, hierarquia entre as várias unidades integrantes do aparelho estatal, articulao entre as diversas agncias do poder Executivo, definio dos órgos normativos e fiscalizadores ou ainda classificao de cargos e carreiras. No se verificou uma preocupao com o aperfeioamento dos demais poderes e, sobretudo, com a questo fundamental num regime constitucional, qual seja, a articulao e o equilíbrio entre os trs poderes, atribuindo-se ao Executivo e s agncias administrativas um amplo espectro de prerrogativas no que concerne formulao e implementao de políticas públicas. Aliás, a trajetória do Estado no Brasil revela a precedncia das burocracias militar e civil, que, historicamente, foram estruturadas e definiram suas identidades coletivas antes da institucionalizao, em mbito nacional, do sistema de representao política. Durante a maior parte do período Republicano, observou-se a tendncia centralidade da burocracia governamental em face dos partidos e do poder Legislativo.
A prática de implementao de reformas do Estado sob regimes autoritários teve conseqncias que no podem ser ignoradas. Em primeiro lugar, os longos períodos de fechamento do sistema político criaram condies propícias para a consolidao de uma modalidade de presidencialismo dotado de amplas prerrogativas, consagrando o desequilíbrio entre um Executivo sobredimensionado e um Legislativo crescentemente esvaziado em seus poderes. Exacerbaram-se certas características do sistema presidencialista, como a outorga constitucional de poderes legislativos ao chefe do Executivo, o amplo poder de nomeao do presidente, a autonomia e a centralidade dos governos estaduais para tecerem alianas e redes de lealdade políticas. Assim, o isolamento da instncia presidencial, seu fechamento ao escrutínio público, a falta de espao institucional para a interferncia das foras políticas, a intolerncia em face da dissidncia e do conflito, a inoperncia dos mecanismos de controles mútuos, enfim, a falta de freios institucionais ao arbítrio do Executivo criariam, em diferentes momentos, sérios obstáculos para a articulao entre os poderes e a comunicao com a sociedade.